Interrupção do ciclo de investimento na agricultura seria inadmissível”

“O Governo que resultar das próximas eleições legislativas deverá dar continuidade às políticas agrícolas que têm permitido ao setor recuperar dos anos em que foi politicamente marginalizado”. E, com isso, “contribuir de forma muito significativa para a recuperação económica do país, o aumento das exportações e o desígnio de equilibrar a balança comercial agroalimentar”.
Este é o repto do presidente da CAP – Confederação dos Agricultores de Portugal, no rescaldo do 7º congresso da Confederação que este ano celebra 40 anos de existência. Em entrevista à “Vida Económica”, João Machado é perentório: “Portugal posicionou-se nos últimos anos na linha da frente da utilização das verbas comunitárias para o setor agrícola”, pelo que “uma interrupção do ciclo de investimento que tem vindo a verificar-se nos últimos anos seria inadmissível”. E, “certamente”, não deverá acontecer.

Vida Económica – No documento estratégico que a CAP apresentou no seu 7º Congresso enumerou alguns dos desafios da Agricultura face à evolução da população mundial, que deverá chegar aos 9,7 mil milhões em 2050. Sendo Portugal um pequeno país do Sul da Europa, que contributo podemos dar?

João Machado – Portugal está inserido na UE e no quadro de funcionamento geral da PAC. Neste sentido, o seu contributo está alinhado com as opções desta política e com o cumprimento de regras e princípios de orientação geral da União. Acontece que precisamente a nova PAC vem promover, depois de muitos anos de contenção, o aumento da produção agrícola no espaço europeu. Os agricultores portugueses gostam, naturalmente, de produzir mais e estão motivados para corresponder a esse desafio, até porque isso vem precisamente ao encontro da necessidade que o país tem de exportar mais e equilibrar a balança comercial agroalimentar.

VE – Falamos muito de agricultura, mas tendemos a esquecer a floresta e todo o setor transformador que lhe está associado. O que fazer para valorizar este subsetor que, só na pasta de papel, representa 4% do PIB nacional?
JM –
A CAP certamente não esquece nem a floresta, nem a fileira transformadora e exportadora que ela sustenta. Uma prova recente dessa atenção foi a inclusão nos temas do congresso e a participação das principais associações industriais do setor. Por outro lado, e não apenas por coincidência, em 2015, a CAP elegeu precisamente o setor florestal como o tema de duas das suas mais importantes iniciativas anuais: o Concurso Universitário CAP – Cultiva o Teu Futuro e a Feira Nacional de Agricultura, cuja 51ª edição é também dedicada à floresta.

VE – Depois temos outros setores mais mediatizados, como o azeite, as frutas ou até o tomate para indústria, que revelam crescimentos importante nas exportações. A agricultura portuguesa tem potencial de exportação e de internacionalização?
JM –
A agricultura portuguesa tem, de facto, potencial e capacidade técnica para exportar mais e incrementar o seu nível de internacionalização, além de vontade de investir, como se tem vindo a verificar ao longo dos últimos anos. Setores mais tradicionais como o vinho ou a cortiça continuam a evoluir positivamente no quadro geral das exportações, a par de setores particularmente evoluídos no nosso país, como o milho e o tomate de indústria, de setores em acelerada recuperação e afirmação, como o azeite, ou ainda de setores que despontam para esta nova tendência exportadora, como as frutas e hortícolas.

VE – Pergunto-lhe isto porque a CAP mudou o seu posicionamento face à internacionalização, assumindo-se, de há uns anos para cá, como entidade agregadora de empresas que querem internacionalizar e expor os seus produtos no estrangeiro. Porquê esta mudança de estratégia?
JM –
Haverá certamente um equívoco nesta questão porque a CAP não mudou o seu posicionamento e até tem vindo a alertar sucessivamente o Governo e os agentes económicos para a necessidade de não desvalorizar demasiado o mercado interno, que constitui uma base fundamental de sustentabilidade para muitas empresas agrícolas. No entanto, como é óbvio, a partir do momento em que se instalou a crise no mercado interno e os consumidores perderam poder de compra para adquirir, também, produtos alimentares, os agricultores passaram a ter como preocupação encontrar alternativas nos mercados externos para escoar a sua produção.

VE – Mudemos de assunto. Como olha para a execução do PRODER e para o arranque do PDR 2020?
JM –
A execução do PRODER atingiu níveis na ordem dos 97% e Portugal posicionou-se nos últimos anos na linha da frente da utilização das verbas comunitárias para o setor agrícola. Foi uma recuperação notável, tendo em conta os primeiros anos de vigência do PRODER e os constrangimentos que o Governo de então impôs aos agricultores, à agricultura e ao país. O novo PDR está a iniciar-se e, naturalmente, o que é novo traz alguma perda de fluidez num programa que, quer para Administração do Estado, quer para os agricultores e suas organizações, estava já a funcionar de uma forma eficaz. Em todo o caso, será certamente uma questão de tempo até que as dificuldades de adaptação estejam ultrapassadas e possamos voltar a funcionar em pleno.

VE – Que erro ou lacuna do PRODER não pode ser repetido no PDR 2020?
JM –
O PRODER teve o seu processo de execução interrompido durante três anos, por erro político grave de um ministro que o setor lembra com sofrimento, mas que não deverá esquecer, exatamente para que o erro, tal como refere, não seja repetido. Portanto, tal como mencionei anteriormente, uma fase de adaptação quer por parte da Administração Pública quer por parte dos agricultores e das suas organizações será perfeitamente normal, mas uma interrupção do ciclo de investimento que tem vindo a verificar-se nos últimos anos seria inadmissível e certamente isso não acontecerá.

VE – Li declarações suas dizendo que o próximo Governo deve manter as orientações quanto aos fundos comunitários para a agricultura. O que é que quer dizer, exatamente?
JM –
O Governo que resultar das próximas eleições legislativas deverá dar continuidade às políticas agrícolas que têm permitido ao setor recuperar dos anos em que foi politicamente marginalizado. E contribuir de forma muito significativa para a recuperação económica do país, o aumento das exportações e o desígnio de equilibrar a balança comercial agroalimentar. Para isso, será obviamente fundamental continuar a garantir, no Orçamento de Estado, as verbas necessárias para a comparticipação nacional do PDR. Estou particularmente convicto que o próximo Governo não desvalorizará o impulso e o investimento que os agricultores portugueses têm vindo a dar à economia nacional.